Eu estava no PS de Sabino na tarde de quarta-feira quando seus funcionários fizeram de tudo para socorrer o senhor Shizuo Fugihara e evitar a sua morte.
Foi rápido o atendimento na unidade de saúde sabinense, e rapidamente também ocorreu a sua transferência para a Santa Casa de Misericórdia de Lins.
Chegou com vida, entretanto, não resistiu por muito tempo.
Quando faleceu, sua esposa, dona Clotilde, ainda permanecia no PS, e sem saber da morte de seu marido explicava a todos o que ocorrera. Que o Shizuo chegara em casa e, reclamando de algumas dores no corpo, fora tomar banho, e após isso, quando foi pegar um refrigerante na geladeira, caiu enfartado.
Enquanto ocorria tudo isso me vinham a cabeça lembranças do antigo (e único) cinema que já tivemos em Sabino, o Cine Santo Antônio.
O cinema se localizava na avenida Sete de Setembro,onde hoje se estabelece uma Igreja Evangélica, próximo ao posto de gasolina.
Minha infância foi marcada por esse cinema.
Quantas e quantas vezes, eu não sei dizer, que assisti filmes do Mazzaropi, comédia; Tarzan,aventura; Drácula, terror ( após a sessão de cinema, eu, então com uns 11 anos de idade, não descia sozinho para minha casa de jeito nenhum); Bang-bangs à italiana, filmes de ação.
"A história de Elza" (Elza era uma onça) pintada) foi um filme que me fez chorar e que emocionou muita gente daquela época.
Vez ou outra eram exibidos filmes para adultos, com cenas de nudez, que faziam lotar o auditório e que mostravam somente a parte superior dos seios das mulheres, e mais nada. Porém, para a época, isso era quente demais e empolgava os adolescentes.
Eu sentia muita inveja do Claudinho Miller e do Ney do Olentino, que limpavam o cinema a troco de entrarem de graça em todas as sessões.
Morei ao lado de sua loja de materiais de construção, e, na infância, passei horas debruçado no balcão de seu estabelecimento comercial observando e admirando ele desenhar os cartazes que anunciariam no saguão de seu cinema os filmes a serem exibidos.
Não sei se vale a pena lembrar que os filmes exibidos em Sabino, já tinham sido exibidos anos antes em São Paulo, Bauru e até em Lins.
Isso pouco nos importava.
O Cinema possuía um serviço de alto-falantes que, além de anunciar a programação de filmes a serem exibidos, funcionava como o principal, e único também, veículo de comunicação "em massa" de nossa cidade. Era utilizado para transmitir informações de utilidade pública, como campanhas de vacinações, abertura de matrículas escolares, prazo para alistamento militar, etc, como também para parabenizar aniversariantes do dia e também para anunciar falecimentos, do mesmo modo como ainda faz o Adãozinho do Som, que também utiliza a mesma canção - Ave Maria - para anunciar os óbitos.
Esse serviço de comunicação era diário e toda a população conferia seus relógios quando ouvíamos o familiar ( aos ouvidos dos sabinenses) dobrado ( que não sei o nome) executado por uma Banda Marcial, seguido da seguinte frase, pronunciada pela locutora Maria Helena "Preta" Banhara - "Ao som desse prefixo vai ao ar o serviço de alto-falante do Cine Santo Antônio. Senhoras e senhores ouvintes, boa noite!. Em Sabino, 19 horas" . E iniciava-se uma sessão de 2 horas de música e informações.
Até a alguns anos antes de eu vir a morar em Sabino, em 1973, na calçada do cinema ocorria o fute nos finais de semana. O fute era um andar sem fim, prá-lá-e-prá-cá, na calçada do cinema, onde ocorria paqueras e amigos se reuniam para jogarem conversa fora.
Sou nostálgico.Valorizo o passado e as coisas que marcaram minha juventude e influenciaram a minha história de vida e a minha cidade.
Por isso, fiquei muito comovido com a morte do Shizuó.
Estava trabalhando no PS quando chegou a notícia da morte do Shizuó e, a pedido de sua irmã, Dona Alice (antiga diretora do grupo escolar) dei a triste notícia à Dona Clotilde. Quase não consegui fazê-lo.
Na minha cabeça só ocorreu que se fechava um ciclo.
Veio em minha mente uma frase que ouvi durante muitos anos "Ao som desse prefixo, sai do ar o serviço de alto falante do cine Santo Antônio, que promete voltar amanhã, as 19 horas".
Há muito tempo não temos mais cinema. O serviço de alto falantes não voltará amanhã e nem nunca mais. Porém, o dobrado, que era seu prefixo ainda toca vivo em meus pensamentos, e faz trilha sonora às lembranças de uma época muito boa que tive o prazer de vivenciar nesta minha querida Sabino.
Que o Shizuó tenha paz onde ele estiver e que seus familiares tenham neste texto a homenagem deste blogueiro a ele, que tanto contribuiu para a história de nossa cidade.
PS: Se a família do Shizuó puder, e quiser, enviar algumas fotos do cinema, e dele próprio para ilustrar este post, isso me deixaria muito honrado e ajudaria a registrar melhor esses fatos históricos.
